Parece que hoje é um bom dia para começar esta coluna. Os dias solarengos em Washington DC põem-me sempre de bom humor, assim como as cerejeiras a florir nesta altura do ano.
Se calhar era esperado que me apresentasse; mas ao invés deixem-me reencaminhar-vos para a entrevista simpática que a Susana Pereira fez aqui e que proporcionou o convite do Tiago Veloso, que desde já agradeço, para livremente divagar no Visual Loop sobre aquilo que me apaixona: Ciência, concretamente história natural para efeitos desta coluna + Arte, e tudo o que visualmente as relaciona, nomeadamente ilustração, animação, visualização de dados e infografia científicas. Dedicarei este espaço para falar sobre estes assuntos no passado, presente e futuro, com a esperança de que vão de encontro ao vosso interesse, vós que sois de Natureza Visual.
Aparentemente não sou muito difícil de agradar, sol e flores contribuem bastante. Porém o dia de hoje teve bastante mais – uma visita à exposição do trabalho de Albrecht Dürer na National Gallery of Art trouxe a oportunidade que há muito aguardava de ver os originais de tão notável artista.
Dürer é conhecido como um importante artista alemão de século XV, famoso pelos seus desenhos, aguarelas, gravuras em metal e xilogravuras; felizmente, ao contrário de vários outros, viu o seu trabalho largamente reconhecido ainda em vida. Retrato, paisagem, temas religiosos e alegóricos, estudos de roupagem e até de peças de arte decorativa são alguns dos temas que explorou, para além de intensa pesquisa sobre as proporções do corpo humano para incluir em quatro volumes de um livro que escreveu sobre o assunto. Foi um verdadeiro artista da Renascença em Nuremberga.
No entanto o que verdadeiramente destaco são a dimensão e importância do trabalho de Dürer na sua relação com a natureza, uma vez que desenhar a natureza e a partir dela não eram certamente prioridade para os artistas da época. Como ninguém ele faz-nos entrar no microcosmos de um tufo de erva ou olhar para um vívido rolieiro morto; e estas imagens não eram estudos para pormenores que viria a incluir em obras maiores, elas são as obras maiores. Dürer conseguia de facto “pintar qualquer coisa” (tal como dizia Eramos de Roterdão) e percebia que apenas olhando para a natureza conseguiria produzir arte de elevada qualidade.
Mas o mais revelador em toda a exposição foram os leões. Eles têm uma presença recorrente na obra de Dürer e deixaram-me baralhada ao longo de várias salas da exposição. Será que pretendia recriar figuras mitológicas? Talvez cruzar um leão, com um cão e um urso?! O autor daqueles leões não parecia de forma alguma ser o mesmo autor da Lebre.
![Lions, by Durer](http://visualoop.com/media/2013/04/Fig1-Durer-sketch_sheet-1495-750x471.jpg)
Fig. 1 – esboço de um leão (1495)
![Fig. 2 - Saint Jerome penitent in the wilderness (1496)](http://visualoop.com/media/2013/04/Fig2-Du%C2%A6%C3%AArer_-_Saint_Jerome_Penitent_in_the_Wilderness_detail-1496-750x508.jpg)
Fig. 2 – São Jerónimo penitente na natureza (1496)
![St. Jerome in His Study](http://visualoop.com/media/2013/04/Fig3-Durer_Saint-Jerome-His-Studydetail-1514-750x441.jpg)
Fig. 3 – São Jerónimo na sua sala (1514)
Bom, a resposta chegou um pouco mais à frente, revelada pelo esboço de um leão feito num jardim zoológico. É verdade, apenas em 1521 Dürer viu o animal ao vivo pela primeira vez e com um entusiasmo tal que o desenhou várias vezes e em diferentes posições, com anotações no seu caderno. Finalmente um verdadeiro desenho de um leão, com a frescura das linhas paralelas do artista e o rigor e detalhe que marcam o seu trabalho. Lembrei-me depois das semelhanças com uma outra história famosa que versa sobre o desenho de um rinoceronte.
![Lion sketch done at the zoo (1521)](http://visualoop.com/media/2013/04/Fig4-Durer-lion-1521-750x515.jpg)
Fig. 4 – esboço de um leão no jardim zoológico (1521)
O rigor e a observação direta na natureza continuam a ser palavras chave no mundo moderno da ilustração científica. Frequentemente, também as motivações são as mesmas de Dürer, no sentido em que os ilustradores procuram tornam a realidade nos seus trabalhos mais informativa, conspícua e clara.
Da próxima vez que estivermos no jardim zoológico (ou num safári em África!), vamos ver os leões pela primeira vez.
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